MAHMOUD DARWISH E A
POESIA PALESTINA DE RESISTÊNCIA
Leonardo Paiva Monte
Lilian Bento
Este
ensaio, cujo objeto de estudo está também em sintonia com a História, se volta
para uma pesquisa que privilegia a poesia de resistência do palestino Mahmoud
Darwish. Seus textos destacam as especificidades das experiências da Palestina
ocupada pelo Estado de Israel, englobando o “apartheid” enfrentado pelo povo
palestino (BISHARA, 2003; PAPPÉ, 2015) e seu sentimento de pertencimento ao
lugar (SMITH, 1991). Os escritos de Darwish enfatizam o plano político,
convergindo para o suporte da literatura como cultura de resistência (BOSI,
2002) e de exílio, situada simbolicamente nas instâncias
político-nacionalistas.
Ademais,
a poesia é o gênero mais popular e frequente na literatura
palestina. Pode-se dizer, também, que possui fortes vínculos com o povo. Isso
pode ser entendido, em parte, devivo à tradição oral na cultura palestina e à
facilidade com que expressões e versos são memorizados e repetidos (ASHRAWI,
1978).
Mahmoud Darwish nasceu em 1942, oriundo
de uma família palestina proprietária de terras, em uma pequena aldeia chamada
Birwe, na Galileia, no norte do que foi chamado, há apenas meio século,
Palestina. Atualmente, se situa em território israelense. Na época em que
Darwish nasceu, Israel ainda não havia sido criado.
Em 1948, os britânicos anunciaram o fim
de seu mandato na Palestina e um novo estado foi criado em grande parte da
Palestina. Imediatamente, depois disso, a primeira guerra árabe-israelense
começou (FROMKIM, 2008). O exército israelense ocupou a aldeia de Darwish e
toda a família se uniu ao êxodo de refugiados palestinos - estimado em cerca de
um milhão de pessoas. Agora, existem mais de seis milhões de refugiados. Eles
se juntaram ao êxodo dos refugiados palestinos que fugiram dos massacres
israelenses para países árabes vizinhos, como Jordânia, Síria e Líbano (PAPPÉ,
2006):
“Ao
longo desses anos, todos os meios ilegítimos e imorais foram utilizados, entre
os quais limpeza étnica, tortura, deportações, colonização, punições coletivas,
segregação e outras formas de opressão, mas nada disso foi capaz de dar aos
israelenses a menor sensação de segurança!” (BISHARA, 2003, p. 19).
Este
ensaio é fundamentado na análise da poesia anticolonialista na Palestina. Com a
leitura destes textos e sua posterior análise, pôde-se observar as
possibilidades de estabelecer uma articulação entre a Literatura e a História,
pois, essa literatura é compreendida como um complemento
significativo ao projeto de resistência política, militar e social pela
libertação dos territórios palestinos ocupados. Sobre o ato de resistir, “o seu
sentido mais profundo apela para a força da vontade que resiste a outra força,
exterior ao sujeito. Resistir é opor a força própria à força alheia” (BOSI,
2002, p. 118).
A
análise das poesias passou pela problemática de estas serem fabricantes de
composições mnemônicas, uma vez que seus elementos convergem para a
representação da percepção de mundo de um povo que sofre invasão de suas terras
e tem de se reafirmar em meio a um novo Estado, sendo destacados os aspectos
formais que dão sustentáculo à literariedade do texto.
“Para
o estudo da historiografia, a perspectiva literária ajudaria a revitalizar a
discussão crítica entra os historiadores e a cultura e abrir as fronteiras que
tendem a estabelecer uma separação entre os historiadores e a cultura de nosso
próprio tempo” (HUNT, 2001, p.173).
Os
textos se manifestam como documento de uma época e, mais do que um plano
literário, fazem sobressair um teor histórico-político, com entradas pelo
social e cultural. Portanto, por meio das produções literárias, “destaca-se a
expansão da cultura, conhecimento de mundo, compromisso com o social, exercício
de contestação e de denúncia, além de atuar como distração e entretenimento”
(NÓBREGA, 2004, p. 83). Autores de exílio e de resistência são denunciantes das
opressões do Estado hegemônico e suas políticas discriminatórias, utilizando,
assim, sua arte para denunciar os “senhores do poder”.
A poética de Darwish
Mahmoud Darwish, através de sua
poética, empreende, nas palavras de Edward Said (2003, p. 51), “um esforço
épico para transformar a lírica da perda no drama infinitamente adiado da
volta. Assim, ele representa seu sentimento de ausência de um lar na forma de
uma lista de coisas incompletas e inacabada”. É este aspecto de sua literatura
que nos interessa nesta pesquisa, pois, é a sua tendência para os
questionamentos críticos que sedimentam uma cultura de exílio e de resistência,
situação que se volta em Darwish para disseminar e divulgar a violência
israelense em relação aos povos palestinos.
Salienta-se,
nas poesias de Darwish, seu teor histórico, já que as palavras exprimem os
sentimentos e experiências vivenciadas, pelo seu autor, no exílio ou no
território ocupado palestino. Com base nisto, afirma-se que esta literatura
sofreu influência do contexto nos quais este autor estava inserido. Isto pode
ser visto na poesia “Confissão de um terrorista!”:
“Ocuparam
minha pátria
Expulsaram
meu povo
Anularam
minha identidade
E
me chamaram de terrorista
Confiscaram
minha propriedade
Arrancaram
meu pomar
Demoliram
minha casa
E
me chamaram de terrorista
Legislaram
leis fascistas
Praticaram
odiado apartheid
Destruíram,
dividiram, humilharam
E
me chamaram de terrorista
Assassinaram
minhas alegrias,
Sequestraram
minhas esperanças,
Algemaram
meus sonhos,
Quando
recusei todas as barbáries
Eles...
mataram um terrorista!”
(TOLEDO,
2009, p. 81).
Desse
modo, ecoa a voz do poeta: pela resistência, denúncia, política e martírio.
Torna-se um modelo de porta-voz do povo oprimido. Além disso, identificam-se na
poesia as “visões de mundo” do autor, reunindo questões espaciais (“minha
pátria”, “minha casa”), marcas identitárias (“minha pátria”, “meu povo”,
“terrorista”), aspectos sociais e ideológicos (“apartheid”, “leis fascistas”),
entre outros. A subjetividade do narrador também se faz presente ao apontar
para “alegrias”, “esperanças”, “sonhos”. Os versos mostram, então, como a
violência de um povo sob o outro subjuga, destrói o que existe de íntimo e
arruína a vida das pessoas. O outro que resiste se transforma em inimigo, alvo
de violência, sendo exterminado. Isto remete ao que Bishara (2003) e Pappé (2006;
2015) têm apontado nas estratégias israelenses de segregação e eliminação do
povo palestino.
Existe
uma relação com os elementos sócio-culturais e geo-históricos, influenciados
pela ética e estética do momento em que esta literatura se desenvolveu. Esses
elementos encontrados nos escritos exprimem uma cultura de resistência pelo seu
próprio caráter marcante, no que se refere à maneira de escrever, como também
por sua coerência e pelo estilo incisivo.
Darwish, em “Carteira de identidade”,
manifestou um grito de revolta para colonizadores israelenses que tentavam
ignorar a presença de árabes-palestinos em sua terra natal. O narrador é uma
vítima palestina comum da opressão sionista sendo interrogada por um oficial
israelense.
Essa poesia começa assim:
“Toma
nota!
Sou
árabe
Número
da identidade: 50 mil
Número
de filhos: oito
E
o nono... já chega depois do verão
E
vais te irritar por isso?”
(SALES,
2010, p. 30).
O “sou árabe”, no segundo verso, cria
uma distinção para o narrador, afirmando sua identidade e, de forma orgulhosa,
exigindo que o outro “tome nota” dessa informação. O texto de Darwish é cheio
de símbolos expressivos e imagens que dão uma visão sobre a relação entre
Israel e Palestina, criando uma imagem que narra a história e política da Palestina.
“Toma
nota!
Sou
árabe
Sou
nome sem sobrenome
Paciência
sem fim
Num
país onde tudo o que é
Ferve
na urgência da fúria
Minhas
raízes...
Antecedem
O
nascimento do tempo
O
princípio das eras
O
cipreste e a oliveira
A
primeira das ervas”
(SALES,
2010, p. 30).
As
palavras escolhidas criam uma conotação de submissão forçada (“paciência sem
fim”) e esvaziamento de identidade (“sou nome sem sobrenome”). Mas, “a urgência
da fúria” que preenche a vida palestina fortalece o apego às “raízes” em um
gesto de reconhecimento sobre suas origens.
Do
mesmo modo, a poesia de Darwish apresenta uma forte vinculação com os elementos
culturais, demonstrando em sua poética uma cultura de resistência, alertando
que o Estado colonizador tinha sobre territórios palestinos intuitos
discriminatórios, objetivando apenas a ocupação de terras e o apagamento do
outro.
“Toma
nota!
Sou
árabe
Cabelos
negros
Olhos
castanhos
E
o que mais?...
A
cabeça coberta com keffiyya e cordão
Dura
como pedra
Rija
no toque a palma da mão...
E
o melhor pra comer?
Azeite
e zaata”
(SALES,
2010, p. 30).
Além
da autoafirmação enquanto árabe, o poeta também aponta para o desejo dos
colonos israelenses de se apossar de tudo que pertença ao outro.
“Toma
nota!
Sou
árabe
Arrancaste
as vinhas de meu avô
A
terra que eu arava
Eu,
os filhos, todos
Nada
poupaste...
Pra
nós, pros netos
Só
pedras, pois não
E
o governo, o teu, já fala em tomá-las
Pois
então!”
(SALES,
2010, p. 30).
Neste
fragmento, Mahmoud Darwish não só utiliza elementos de sua região para criticar
os invasores israelenses, como também pode-se perceber como o poeta elabora as
críticas as linhas econômicas e de subsistência. Isto fica explícito pelos
termos “vinhas de meu avô”, “terra que eu arava” e concluindo com “nada
poupaste”. É uma denúncia de como os povos palestinos são esvaziados de seus
bens. Pois, “os israelenses adquiriram e expropriaram mais terra, enquanto os
palestinos, constrangidos pelas proibições de locomoção, não tinham sequer
acesso físico a essas terras” (BISHARA, 2003, p. 19). Não se fala em riquezas,
mas em meios de sobrevivência. Somente resta-lhes as pedras, e estas na
iminência de serem tomadas também.
Poesias
como “Confissão de um terrorista!” e “Carteira de identidade” anunciam um tempo
de repressão, de negação de cidadania, de desmantelamento de identidade e de
estabelecimento de fronteiras. Cria-se um rompimento com a ética cultural,
sendo as pessoas colonizadas, na sua ontologia, vítimas de um poder
transgressor, seres retificados, explorados na sua dignidade e esvaziados de
sua humanidade.
As
duas poesias de Darwish demonstraram que possuem um valor não só literário
como, também, histórico. Destarte, “é nesse horizonte que o espaço da literatura,
considerado em geral como o lugar da fantasia, pode ser o lugar da verdade mais
exigente” (BOSI, 2002, p. 134 – 135). A construção de um texto perpassa pelo
intercruzamento de uma rede discursiva, porquanto, no plano simbólico, a
literatura de resistência ressalta o elemento nativo, com enfoque de áreas
geográficas, com seus habitantes, hoje vistas como esteio da cultura, cujas
práticas envolvem várias redes discursivas. Estas, se encaminhando para o
simbólico, alardeiam a relação entre realidade e ficção e deixa intervir a
construção de identidades, as práticas ideológicas, predispondo para a formação
de uma identidade nacional. Com isto, pode-se concluir que os movimentos
simbólicos não distanciam o historiador da realidade, mas que a amplia para
níveis diferenciados.
Desse
modo, a literatura de resistência é uma fonte para a história, uma vez que ela
expressa os sentimentos de revolta e luta de um povo. O Estado de Israel, ao
ocupar partes do território palestino, aplica políticas de segregação.
Desconsidera os Direitos Humanos (CHOMSKY; PAPPÉ, 2015). Cria demarcações e
dificultam a vida dos palestinos. Estes precisam resistir a gestos de violência
simbólica e militar. Nesta luta cotidiana contra as políticas de limpeza étnica
de Israel, os palestinos podem encontrar nas poesias de Mahmoud Darwish, por
exemplo, uma voz que repercute suas lutas e traduz seus sentimentos de revolta
diante de uma disputa desigual de forças. E o pior, sem previsão de um término
próximo.
Referências
Leonardo
Paiva Monte é licenciado em História (UEPB) e mestre em História Social (USP).
Lilian
Bento é licenciada em História (UEPB), mestra e doutoranda em Ciências da
Educação (UNIDA).
ASHRAWI, H. The
Contemporary Palestinian Poetry of Occupation. In: Journal of Palestine Studies,
Vol. 7, No. 3, 1978, pp. 77-101.
BISHARA,
M. Palestina/Israel - a paz ou o Apartheid. Paz e Terra, 2003.
BOSI,
A. Literatura e resistência. São Paulo: Companhia das Letras, 2002
CHOMSKY, N.; PAPPÉ, I.
On Palestine. Chicago:
Haymarket Books, 2015.
FROMKIM,
D. Paz e guerra no Oriente Médio: a queda do Império Otomano e a criação do
Oriente Médio moderno. Trad. Tereza Dias Carneiro. Rio de Janeiro: Contraponto,
2008.
HUNT,
L. A nova história cultural. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
NÓBREGA,
G. M. Literatura e história: um diálogo possível. In: SILVA, A. (org).
Literatura e estudos culturais. João Pessoa: Editora
Universitária/UFPB, 2004.
PAPPÉ, I. The ethnic
cleansing of Palestine. Oxford: Oneworld Publications, 2006.
PAPPÉ, I. Israel and
South Africa: The many faces of apartheid. London: Zed Books, 2015.
SAID,
E. Reflexões sobre o exílio. In: _____. Reflexões sobre o exílio e outros
ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p.46-60.
SALES,
A. A construção da identidade palestina: análise discursiva do poema “Carteira
de identidade”, de Mahmud Darwish, e outros textos palestinos. Dissertação
apresentada ao programa de Pós-graduação de Língua e Cultura Árabe, da
Universidade de São Paulo, 2010.
SMITH, A. National
Identity. London: Peguin Books, 1991.
TOLEDO,
C. Contra o complô do silêncio, a voz dos poetas palestinos. In: Marxismo Vivo.
nº20, 2009. pp. 125 – 136.
Primeiramente gostaria de parabenizá-los pelo artigo. Muito inspirador e poesia anima a resistir.
ResponderExcluirFrente essa fragmentação da identidade considerada palestina, vocês consideram que tal identidade está se reestruturando, ou seja, se modificando?
Obrigada,
Paola Rezende Schettert
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ExcluirOlá, Paola.
ExcluirA questão identitária palestina, como quaisquer movimentos, não é inerte. No caso dos grupos palestinos, sua história é uma reafirmação de sua identidade e meio de reconhecimento.
As ocupações israelenses em territórios palestinos, o apartheid em vigor e a violência, por exemplo, são fatores que alteram os percursos de vida e transformam as identidades.
Grato,
Leonardo Paiva